Rita Lee por Rita Lee: O Documentário que Virou Autorretrato
|
Dirigido por Oswaldo Santana e codirigido por Karen Harley, Ritas (2025) chega aos cinemas nesta quinta-feira (22/05), Dia de Santa Rita, na tradição católica e também o dia que Rita Lee escolheu para comemorar seu aniversário, já que a data original (31/12), sempre foi muito complicada para comemorações.
O documentário transcende a simples biografia ao colocar a própria cantora no centro da narrativa, utilizando-se de entrevistas, depoimentos e registros pessoais para construir um mosaico íntimo e irreverente de sua trajetória. A escolha de fazer com que a voz de Rita guie o espectador não é apenas um recurso estilístico, mas uma decisão que reforça sua personalidade inquieta e autoral, permitindo que suas reflexões, humor e autocrítica moldem o ritmo do filme.
O documentário parte de uma “arqueologia pessoal”, como define a sinopse oficial, mergulhando em arquivos inéditos — desde fotos de infância até videochamadas caseiras — que revelam a artista em momentos descontraídos, como ao criticar suas roupas de criança ou interagir com seus gatos . A montagem, também assinada por Santana, entrelaça passado e presente, começando com imagens tremidas de chamadas de vídeo, quase como um diário visual, para depois adentrar sua carreira musical e vida pessoal .
A ausência de entrevistas com terceiros é um acerto: o filme privilegia a perspectiva de Rita sobre si mesma, desde sua expulsão dos Mutantes — que ela atribui ao machismo — até sua parceria com Roberto de Carvalho, retratada como um eixo transformador em sua vida . A decisão de excluir vozes externas, porém, também limita a complexidade do retrato, já que contradições — como versões divergentes sobre sua saída dos Mutantes — são ignoradas .
A força do documentário reside na forma como expõe as “múltiplas Ritas”: a roqueira rebelde, a escritora, a ambientalista, a mãe e a espiritualista que mantinha um altar ecumênico com figuras como Elvis Presley e Hebe Camargo . Cenas de arquivo mostram sua versatilidade cênica, como a personagem Adelaide Adams no programa TVLeezão (1991), enquanto depoimentos recentes revelam uma Rita introspectiva, refletindo sobre felicidade e legado .
A narração em primeira pessoa permite que o espectador acesse camadas íntimas, como seu amor pela natureza e animais, ou sua relação com a espiritualidade — temas pouco explorados em outras obras sobre ela. Mas, mesmo tentando ser completo, o filme deixa de lado “Build Up”, um importante trabalho de 1970 e também sua fase mais pop dos anos 80.
Visualmente, Ritas equilibra o caos criativo de Rita com uma estética clean, usando animações de Gabriel Bitar e uma paleta de cores vibrantes que remetem à sua personalidade . A edição dinâmica e a mixagem de sons capturam a energia do rock, mas, em certos momentos, a narrativa perde fôlego na segunda metade, abandonando a cronologia para destacar “as várias Ritas” de forma um pouco caótica .
A decisão de não contextualizar historicamente alguns períodos — como a ditadura militar, em que Rita enfrentou censura e prisão — pode deixar o público menos familiarizado com lacunas. Ainda assim, o filme cumpre seu papel ao destacar seu pioneirismo feminista no rock brasileiro, mostrando como ela desafiou normas de gênero em músicas como “Nem Sempre Se Pode Ser Divino” .
Ritas não é apenas um documentário, mas um testemunho autobiográfico póstumo. Ao centrar-se na voz de Rita Lee, o filme celebra sua irreverência e resistência, mas falha em explorar plenamente as contradições que a tornavam humana. Para fãs, é uma jornada nostálgica e afetiva; para novos públicos, uma introdução vibrante — ainda que incompleta — à mulher que reinventou o rock nacional. Como ela mesma diz no filme: “Minha vida foi o máximo” — e Ritas captura essa máxima com carisma, mesmo que parcialmente.
Usando o filme mais uma vez como palco para seu espírito libertário, Rita Lee desfila sua irreverência em cores vivas. Para quem a amou, é um reencontro cheio de lágrimas e risos; para quem a está descobrindo agora, um trailer empolgante de uma história muito maior que merece ser conhecida.
Adriana Maraviglia
@revistaeletricidade
Assista ao trailer de “Ritas”: