Moore & Sweeney Elevam Thriller Convencional a Doloroso Manifesto Maternal
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Em Echo Valley (Apple TV+, 2025), a paisagem idílica da Pensilvânia esconde uma ferida aberta: a relação tóxica entre Kate (Julianne Moore), uma viúva mergulhada em luto, e Claire (Sydney Sweeney), sua filha viciada que surge na porta da fazenda coberta de sangue alheio. Dirigido por Michael Pearce e escrito por Brad Ingelsby (Mare of Easttown), o filme tenta conciliar estudo psicológico com um thriller, sustentando-se quase exclusivamente pela força titânica de sua protagonista.
Moore, em performance digna de seu Oscar, consegue transmitir absolutamente tudo com gestos mínimos. Seus olhos capturam a exaustão de quem carrega o peso duplo da perda da esposa e da filha autodestrutiva. Num momento crucial, ao limpar o sangue das mãos de Claire com um pano úmido, seus dedos trêmulos revelam mais sobre o sacrifício materno do que qualquer diálogo.
Despojada da glamourização de Euphoria, Sydney Sweeney entrega uma Claire que é fera e criança ao mesmo tempo. Seu corpo contorcido em crises de abstinência e a voz que alterna entre suplicas e ameaças criam um retrato perturbador do vício – ainda que o roteiro reduza sua complexidade a um dispositivo narrativo no terceiro ato. A química com Moore eletriza cenas como o banho forçado, onde a água suja diluindo o sangue no ralo simboliza a ética corrompida de ambas.
As reviravoltas, contudo, são o calcanhar de Aquiles do filme. A chegada de Claire ensanguentada é um golpe de mestre, tensionado pela fotografia de Benjamin Kracun, que enquadra o vale como uma prisão bucólica. Mas quando o traficante Jackie (Domhnall Gleeson) entra em cena, o thriller descamba para lógicas rocambolescas: planos de fuga incoerentes, um incêndio previsível e um clímax que beira o deus ex machina. Ingelsby, mestre em nuances em Mare of Easttown, aqui sucumbe à pressão do “grande efeito”, desperdiçando a metáfora inicial das rachaduras no teto de Kate – símbolo de uma vida prestes a desmoronar.
Visualmente, o filme é um requiem em tons de verde-escuro e azul-cinza. Pearce e Kracun utilizam steadycams para imergir o espectador na claustrofobia da fazenda, enquanto closes em objetos cotidianos – uma faca de cozinha, um cobertor manchado – amplificam o terror doméstico. A trilha de Jed Kurzel merece destaque: cordas graves e sussurros eletrônicos substituem os jump scares, criando uma atmosfera de ameaça difusa.
O maior pecado, porém, é a subutilização do contexto LGBTQIA+. A homoafetividade de Kate é tratada como pano de fundo, com a esposa morta reduzida a gravações de voz.
Echo Valley é como seu vale: profundo nas emoções que esconde, mas acidentado em seu percurso. Moore e Sweeney entregam performances brutais que transcendem as limitações do roteiro, transformando um thriller convencional em um doloroso manifesto sobre os limites do amor materno. Imperfeito? Sim. Indispensável? Para quem aprecia atuações que cortam até o osso, absolutamente
Adriana Maraviglia
@revistaeletricidade
Assista ao trailer de “Echo Valley”: