“Raul Seixas: Eu Sou” — Entre o Delírio e a História, uma Ponte para Novas Gerações

Raul Seixas: Eu Sou – foto: Reprodução

Estreando simbolicamente em 26 de junho de 2025 no Globoplay, na semana em que Raul Seixas completaria 80 anos —, a minissérie de 8 episódios produzida pela O2 Filmes e dirigida por Paulo e Pedro Morelli mergulha na vida do ícone do rock brasileiro com uma ousadia que reflete seu espírito inquieto. Abraçando uma estrutura não-linear e onírica, a narrativa tece um caleidoscópio biográfico onde shows, diálogos com Dom Quixote e saltos temporais, capturam a essência da “metamorfose ambulante”. Essa escolha estética, embora exija paciência do espectador, evita clichês da biografia linear e homenageia o caos criativo de Raul: sua busca por liberdade através de rock, baião e poesia, tingida de ocultismo e crítica social.

A direção dos Morelli utiliza transições surreais entre palco e vida privada, sequências delirantes sob efeito de álcool (como a cena de abertura, onde Raul é confundido com um impostor em pleno show) e metáforas visuais que materializam letras — como “Eu sou o tudo e o nada” de “Gita”. Essa linguagem, arriscada e fragmentada, traduz o delírio criativo do artista, ainda que em momentos prejudique a coesão da trama.

No elenco, Ravel Andrade — que em 2014 interpretou o jovem Paulo Coelho na cinebiografia “Não Pare na Pista” — oferece agora uma performance transcendental como Raul Seixas: não o imita, mas o encarna, da timidez cotidiana à energia magnética no palco, numa atuação tão visceral que colegas de gravação o confundiram com o mito. A profundidade emocional é ainda mais impactante ao saber que o ator canalizou um luto pessoal (a perda de um filho) nas cenas com as filhas do cantor. Em contraponto, João Pedro Zappa gera controvérsia como Paulo Coelho, papel que ironicamente já foi de Andrade no cinema, retratado aqui de forma caricata e desconectada da complexidade da parceria criativa. Já Amanda Grimaldi, como a primeira esposa Edith Wisner, surge como âncora emocional, equilibrando o tom místico com humanidade.

Para as novas gerações, a série cumpre um papel essencial ao ressignificar Raul para o século XXI, reafirmando seu legado enquanto celebra seu 80º aniversário. Canções como “Maluco Beleza”, “Metamorfose Ambulante” e “Gita” não são meros fundos musicais, mas eixos dramáticos que explicam conflitos existenciais do artista — como na cena do Festival da Canção (1972), onde Raul e Rita Lee nos bastidores transformam “Let Me Sing, Let Me Sing” em combustível narrativo. A contextualização das influências filosóficas (ocultismo, Bhagavad Gita, anarquismo) decifra metáforas das letras, enquanto a luta contra a censura na ditadura conecta sua rebeldia a questões políticas atuais.

Apesar dos acertos, a série não escapa de simplificações: os primeiros episódios reduzem Raul a um sonhador obcecado por fama, negligenciando seu lado intelectual e de produtor. Erros históricos pontuais — como o figurino incorreto de Rita Lee no FIC 1972 ou o gesto de “chifres” anacrônico no Phono 73 — quebram a imersão, e figuras de apoio (produtores, bandas) são retratadas de forma plana.

“Raul Seixas: Eu Sou” é, afinal, tão contraditória quanto seu biografado. Se falha em explorar todas as camadas do artista e peca em licenças poéticas, brilha ao traduzir seu espírito inquieto através da ousadia narrativa.

A atuação de Andrade e a trilha sonora fazem da minissérie um portal vital para celebrar as oito décadas do mito e dá uma boa ajuda para que novos públicos descubram por que Raul segue sendo “a luz das estrelas” da música brasileira. Como ele mesmo cantou, “Eu sou o tudo e o nada” — e esta produção, em seus melhores momentos, captura justamente esse paradoxo. Imperfeita, mas necessária, é um tributo que desafia convenções, assim como o mito que homenageia.

Viva Raul! ✨

Adriana Maraviglia
@revistaeletricidade

Assista ao trailer de “Raul Seixas: Eu Sou”:

Comente: