Morre Arlindo Cruz, o ‘Sambista Perfeito’, aos 66 anos após longa batalha de saúde
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O Brasil perdeu um de seus maiores ícones culturais na manhã desta sexta-feira, 8 de agosto de 2025. Arlindo Domingos da Cruz Filho, compositor e instrumentista que revolucionou o samba brasileiro, faleceu aos 66 anos no Hospital Barra D’Or, na Zona Oeste do Rio de Janeiro.
A morte foi confirmada pela esposa, Babi Cruz, sua companheira por mais de 26 anos, e por um comunicado emocionado divulgado nas redes sociais da família. Arlindo lutava há oito anos contra as graves sequelas de um AVC hemorrágico sofrido em março de 2017, que o deixou acamado, com limitações motoras e cognitivas, além de impedi-lo de cantar ou tocar. Sua condição, já frágil, agravou-se em março deste ano, quando uma pneumonia evoluiu para uma infecção bacteriana resistente, exigindo internação prolongada em terapia intensiva.
Nascido em Madureira (RJ) em 14 de setembro de 1958, Arlindo Cruz foi iniciado no samba pelo pai, Arlindão, amigo do lendário Candeia, que se tornou seu padrinho musical. Aos 7 anos ganhou seu primeiro cavaquinho; aos 12, já dominava o violão “de ouvido” ao lado do irmão Acyr Marques. Sua trajetória decolou aos 17 anos, ao gravar o primeiro LP, “Roda de Samba”, sob a tutela de Candeia. Nos anos 1980, consolidou-se no Cacique de Ramos, berço do pagode moderno, tocando ao lado de Jorge Aragão, Beth Carvalho e Almir Guineto, e firmando parcerias eternas com Zeca Pagodinho e Sombrinha. Entre 1981 e 1993, integrou o Fundo de Quintal, revolucionando o grupo com hits como “O Show Tem Que Continuar” e “Só Pra Contrariar”, além de popularizar o banjo cavaquinho como instrumento fundamental do gênero.
Em carreira solo, lançou 8 álbuns e projetos marcantes como a parceria com Sombrinha (1996–2005), alcançando auge comercial com o DVD MTV Ao Vivo (2009), que vendeu 100 mil cópias. Seu último trabalho, “Pagode 2 Arlindos” (2017), foi gravado ao lado do filho Arlindinho. Com mais de 700 composições registradas por nomes como Alcione, Maria Rita e Caetano Veloso, Arlindo tornou-se um dos compositores mais prolificamente gravados do samba, com clássicos imortalizados por Zeca Pagodinho e Beth Carvalho, como “Bagaço da Laranja” e “Jiló com Pimenta”. Seu legado artístico redefiniu o pagode ao fusionar tradição e modernidade, criando texturas rítmicas inéditas com o banjo cavaquinho e elevando a poesia do gênero com letras que celebravam o amor, a fé candomblecista e o cotidiano suburbano, marcadas por rimas ricas e melodias rebuscadas.
No carnaval, foi campeão de samba-enredo 19 vezes, com vitórias no Império Serrano (sua “escola do coração”), Grande Rio e Vila Isabel. Em 2023, tornou-se ele próprio enredo do Império Serrano com “Lugares de Arlindo”. Desde o AVC de 2017, enfrentou uma jornada médica extenuante: quase 1,5 ano internado inicialmente, uma parada cardíaca de 15 minutos em 2022 e múltiplas internações por infecções respiratórias. Sua resistência transformou-se em símbolo de resiliência, como lembrou Zeca Pagodinho: “Sofreu muito, agora precisa descansar um pouco. Vai com Deus, meu compadre”.
A repercussão de sua morte uniu o Brasil: artistas como Mumuzinho (“Hoje o samba chora”) e Bruno Cardoso (Sorriso Maroto) destacaram seu apoio aos novos talentos; escolas como Império Serrano e Mangueira publicaram notas de pesar; o Flamengo, seu time do coração, e o prefeito do Rio, Eduardo Paes (“O samba te agradece!”), renderam homenagens. Arlindo Cruz deixa um vazio irreparável, mas seu legado ecoa em cada roda de samba e verso que canta Madureira ou a força do “povo de axé”. Como sintetizou sua família, ele foi “um poeta do samba” cuja voz e composições permanecerão vivas no coração de milhões. Em um Brasil que ainda busca superar intolerâncias e desigualdades, sua música segue como um mapa da mina — guia de alegria, resistência e identidade. O “sambista perfeito”, título de sua biografia, não morre: transforma-se em mito, em nota permanente na sinfonia da cultura brasileira, ecoando para as próximas gerações, como sempre foi seu desejo.