Caramelo: Um Filme que Tem a Cara e a Alma do Brasil

Há uma tradição consolidada em Hollywood que nos faz associar filmes sobre cães a lágrimas garantidas e reviravoltas previsíveis. “Caramelo”, longa-metragem de Diego Freitas que acabou de chegar à Netflix, resgata a essência desse gênero tão amado, mas o reconta com uma alma profundamente brasileira, resultando em uma obra que é ao mesmo tempo cativante, autêntica e surpreendentemente resiliente.

A premissa soa familiar: Pedro (Rafael Vitti), um chef de cozinha determinado e prestes a realizar o sonho de seu próprio restaurante, vê sua vida ser virada de cabeça para baixo inesperadamente. É nesse momento de crise e reavaliação que ele cruza com um cativante cão de rua, o vira-lata Caramelo. O que poderia ser apenas uma simples história de amizade ganha camadas de significado, transformando-se em uma jornada de redescoberta do sentido da vida, onde o animal assume o papel de um catalisador de transformação, ajudando Pedro a enfrentar seus desafios com uma nova perspectiva.

O coração do filme bate graças à química palpável entre Rafael Vitti e Amendoim, o cão que interpreta o fofíssimo Caramelo. Vitti oferece uma atuação comovente e contida, que evita o melodrama fácil e convida o espectador a sentir com o personagem e não ter pena dele. Amendoim, por sua vez, é uma revelação. Sua atuação — se é que podemos chamar assim — é toda natural, repleta de expressões faciais genuínas que dispensam qualquer recurso de CGI, tão comum em produções do gênero. A conexão entre os dois não nasceu por acaso; foi cultivada nos bastidores, com Vitti criando um laço real com o animal fora das câmeras, um cuidado que transborda para a tela e confere veracidade a cada olhar e gesto.

Diego Freitas, diretor que já nos presenteou com sucessos como “Depois do Universo” (2022), consolida-se aqui como um artesão de emoções. Sua direção é segura e sensível, operando uma “montanha-russa de emoções” — como ele mesmo definiu — com maestria . O filme navega habilmente entre momentos de drama real e toques de comédia leve, muitas vezes proporcionados pelas travessuras irresistíveis de Caramelo. Essa dosagem é crucial: “Caramelo” aborda temas pesados, mas nunca se torna um fardo para o espectador. Pelo contrário, é uma experiência alto-astral, que consegue fazer você sorrir com lágrimas nos olhos, lembrando que a vida é feita desse dualismo . A trilha sonora, com o tema “Doce Feito Caramelo” interpretado por Iza, é o complemento perfeito para esse clima de ternura e superação .

A escolha do vira-lata caramelo como protagonista é, além de um acerto narrativo, um ato de brasilidade. Freitas elege um herói com a cara do país, celebrando a mistura, a resistência e a doçura desse ícone das ruas e do imaginário popular . A produção abraçou essa identidade também nos bastidores. Amendoim foi literalmente um “achado do destino”, um cachorro de rua que apareceu na porta do treinador pouco antes das filmagens, foi adotado e tornou-se estrela. Esse compromisso com a causa animal é tangível: todos os cães do elenco foram resgatados e, ao final das gravações, adotados pela equipe, incluindo o próprio Rafael Vitti, que levou para casa um cachorro de três patas que atuou como figurante.

“Caramelo” é mais do que um filme sobre um cachorro. É uma ode terna e vibrante à vida, ao amor incondicional e ao poder transformador dos encontros inesperados. Diego Freitas entrega uma obra que emociona sem manipular, que levanta o ânimo sem ser piegas, e que homenageia com orgulho a resiliência do vira-lata que vive no coração de todo povo brasileiro. É um lembrete delicado e potente de que, às vezes, a coragem para seguir em frente pode vir de uma pata estendida e de um olhar que não julga. Uma jornada cinematográfica que aquece a alma e restaura a fé nas pequenas conexões que dão sentido à nossa existência.

Adriana Maraviglia
@revistaeletricidade

Assista ao trailer de “Caramelo”:

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