O Último Episódio: Uma Viagem Afetiva aos Anos 90

O Último Episódio – foto: Reprodução

Com a delicadeza de quem revira um álbum de fotografias guardado na casa da avó, “O Último Episódio” (2025), primeiro longa-metragem solo do mineiro Maurilio Martins, convida o espectador para uma viagem sensorial e afetiva aos anos 90. O filme não se contenta em simplesmente retratar uma época; ele a resgata pela textura do cotidiano, criando uma narrativa de amadurecimento que é, ao mesmo tempo, profundamente pessoal e universal.

A trama se passa em 1991, no bairro Jardim Laguna, na periferia de Contagem, e acompanha Erik, um garoto de 13 anos que, movido por uma paixão platônica, comete uma pequena e grandiosa mentira: diz possuir em casa uma fita com o lendário e inexistente último episódio do desenho “Caverna do Dragão”. O que poderia ser apenas uma premissa engraçada transforma-se no gatilho para uma jornada de descobertas, onde a mentira inicial abre espaço para a exploração de temas como amizade, família e os dolorosos e doces ritmos do crescer. A direção de Martins é sensível e paciente, preferindo escutar seus personagens a gritar com eles, em um ritmo que lembra o tempo elástico da infância, onde um dia pode durar um mês e as pequenas esperas se transformam em aventuras .

A nostalgia aqui não é um mero adereço, mas a cola que une as memórias coletivas de uma geração. A reconstrução de época é primorosa, feita com um carinho que transborda em cada detalhe: das embalagens de chiclete Ploc e Ping Pong às revistas Bizz espalhadas pelo quarto, passando pelas paredes descascadas e pela luz do sol filtrada por cortinas encardidas. Estes não são elementos soltos, e sim parte orgânica de um universo que pulsa com a vida simples da periferia. O filme foi rodado nas mesmas ruas onde o próprio diretor cresceu, e essa autenticidade transborda na tela, fazendo com que cada cena seja impregnada por um sentimento de verdade e pertencimento. É uma viagem no tempo que nos é oferecida não através de grandes eventos, mas pela recuperação sutil de um modo de ser e viver.

O coração do filme, no entanto, bate mais forte na dinâmica do trio de amigos. Erik, interpretado com uma doçura e insegurança cativantes pelo estreante Matheus Sampaio, é acompanhado por Cassinho e Cristão, vividos por Daniel Victor e Tatiana Costa com uma naturalidade e cumplicidade que parecem reais, não encenadas. Eles são crianças de verdade, daquelas que zapeavam a TV e colecionavam figurinhas, e suas aventuras para ajudar Erik sair da enrascada são o veículo perfeito para explorar a intensidade dos laços que se formam nessa idade. A narrativa nos lembra, sem precisar dizer, que a coragem necessária para a vida muitas vezes é encontrada ao lado de quem divide conosco as pequenas misérias e glórias da juventude.

A trilha sonora, composta por John Ulhoa e Richard Neves do Pato Fu, é outro personagem crucial. Ela não se limita a emplacar sucessos da época, mas mergulha na sonoridade do período, com versões de clássicos como “Doce Mel”, da Xuxa, e regravações inéditas que soam como achados em uma fita K7 antiga. O som do filme é uma tapeçaria rica que inclui desde o chiado característico das fitas VHS sendo rebobinadas até o riff de uma guitarra ecoando de um quarto ao lado, construindo com precisão a ambiência sonora de um Brasil analógico.

Mais do que um exercício de memoria, “O Último Episódio” é um filme sobre o poder da criação e o despertar de um olhar para o mundo. A velha câmera de filmagem que Erik manuseia torna-se um símbolo potente dessa descoberta, ecoando a própria jornada de Maurilio Martins e nos lembrando que o cinema muitas vezes nasce do desejo simples de contar uma boa história, mesmo que inventada. A obra se coloca como um herdeiro legítimo de clássicos do gênero como “Conta Comigo” (1986), mas com uma identidade totalmente própria, mineira e periférica, que celebra o poder de mesmo sendo local, conseguir comunicar-se com o resto do mundo.

Ao final, a sensação é a de ter vivido uma memória que, embora não seja exatamente nossa, nos pertence de alguma forma. “O Último Episódio” é um convite para reencontrar a criança que fomos, não com um olhar idealizado, mas com a ternura e a compreensão de que as pequenas aventuras da infância são, na verdade, os grandes rituais de passagem que nos moldam para sempre.

Adriana Maraviglia
@revistaeletricidade

Assista ao trailer de “O Último Episódio”:

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