A Arte da Ineficácia: Como Kelly Reichardt Subverte o Heist Movie em “The Mastermind”
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Chegando aos cinemas nesta quinta-feira (16/10), “The Mastermind”, o novo filme de Kelly Reichardt, impõe desde os primeiros minutos um ritmo que é, em si mesmo, uma declaração de princípios: uma respiração lenta e meticulosa, o oposto exato de tudo o que os clichês do chamado heist movie pregam. É nesse território — entre o sonho americano e o pesadelo neoliberal — que Reichardt finca sua câmera mais uma vez no solo rachado de uma América esvaziada de certezas.
A diretora, dona de uma sensibilidade única para retratar o desamparo contemporâneo, desvia o gênero do seu eixo com precisão cirúrgica. O que, em outras mãos, seria um filme repleto de planos milimetricamente cronometrados, aqui se transforma em uma deriva humana, um estudo sobre a hesitação e o acaso. Os personagens parecem menos arquitetos de um grande golpe e mais corpos arrastados pela maré das circunstâncias — figuras anônimas tentando encontrar sentido em meio ao colapso silencioso do cotidiano.
O roteiro, escrito pela própria Reichardt em parceria com o colaborador habitual Jon Raymond, é um exercício de subversão elegante. Em vez de diagramas e estratégias, ele nos apresenta a um grupo de desajustados que se movem entre a precariedade e a apatia, entre o tédio e a urgência. Seu “plano” surge não da ambição, mas da exaustão; não da ganância, mas da falta de opções. O filme não busca o golpe perfeito — prefere o golpe imperfeito, humano, frágil. A tensão nasce não da chance de erro, mas da certeza de que a falha é inevitável.
Reichardt constrói seu universo com uma paciência quase artesanal. Ela observa o mundo em suas bordas: o som áspero de um balde sendo arrastado, o vapor que sobe de uma xícara de café barato, o entardecer industrial que engole o horizonte. Nada disso é mero detalhe de cenário — é o que sustenta a narrativa, o que respira dentro dela. Em The Mastermind, o crime deixa de ser um gesto de rebeldia para se tornar uma forma distorcida de sobrevivência, a última cartada de um sistema que já consumiu todas as outras possibilidades.
Com a interpretação contida de Josh O’Connor comandando o “show”, o filme é por si mesmo a antítese de qualquer tipo de evento, até no som, a única coisa que corta o quase silêncio são os metais de uma trilha sonora de jazz instrumental que aparecem “berrando” dos alto-falantes, encantadores diga-se de passagem, em alguns momentos.
Os diálogos são poucos e carregam o peso do não dito. As palavras parecem escolhidas a contragosto, como se cada frase custasse esforço demais. Quando o clímax enfim chega, não explode — silencia. É uma pausa densa, um eco do vazio que resta quando todas as promessas falham.
Ambientado na década de 70, “The Mastermind” é, antes de tudo, um anti-heist. Um filme que desmonta a fantasia do criminoso genial e a substitui pela figura trêmula do sobrevivente comum. Reichardt rejeita o espetáculo e nos oferece algo mais raro: a contemplação do fracasso como condição humana. Em meio às sombras e às cores desbotadas, ela revela a estranha beleza que nasce quando já não há nada a ganhar — e, por isso mesmo, nada mais a perder.
Adriana Maraviglia
@revistaeletricidade
Assista ao trailer de “The Mastermind”: