Salve-me do Desconhecido: A Sombria Gênese de ‘Nebraska’

Em Springsteen: Salve-me do Desconhecido, Scott Cooper encara o desafio de traduzir para as telas o processo criativo solitário de Bruce Springsteen durante a gênese do seminal álbum “Nebraska”. O filme, estrelado por Jeremy Allen White, mergulha na atmosfera claustrofóbica e nos demônios internos do artista, em uma narrativa que prioriza o tom e a introspecção, enquanto ele busca simplesmente expressar aquilo que sente.
A névoa sombria e os faróis vazios de uma estrada interestadual à noite. O sussurro áspero de um gravador de fita cassete portátil. O silêncio opressivo de um quarto de motel. É desse lugar ermo e profundamente solitário que emerge o filme do diretor Scott Cooper, enquanto ele se aventura a decifrar um dos capítulos mais enigmáticos e fascinantes da carreira de Bruce Springsteen.
Cooper, que já demonstrou em Crazy Heart (2009) uma sensibilidade aguçada para explorar os demônios internos de artistas, encontra na história real de Springsteen um terreno fértil e perigoso. O desafio era monumental: como traduzir para as imagens o processo criativo solitário de um homem, praticamente um monólogo interior transformado em canção? O filme, adaptado do livro meticuloso de Warren Zanes, mergulha de cabeça nesse vácuo, capturando com uma verve quase claustrofóbica a luta do artista contra seus próprios fantasmas e a busca por uma voz autêntica em meio ao ruído do sucesso.
As atuações são, de fato, um dos pilares da experiência. Jeremy Allen White, fisicamente transformado e impregnado de uma intensidade contida, não tenta simplesmente imitar Springsteen, mas captura sua essência mais crua e vulnerável. Vemos nele a fadiga, a dúvida e a obsessão de um gênio à beira de um colapso criativo. Também chama atenção o trabalho de Jeremy Strong como o empresário Jon Landau, que muitas vezes é a única pessoa próxima do artista naquele momento de sua vida.
No entanto, e é um “no entanto” que pesa, o filme de Cooper sofre de um mal que atinge muitas biografias ambiciosas: o problema de ritmo. A mesma lentidão que serve para nos imergir na atmosfera de isolamento e paranoia do protagonista acaba, em certos momentos, se tornando um fardo.
A narrativa, por vezes, parece caminhar em círculos, como se estivesse presa no mesmo quarto de motel que seu personagem, sem encontrar a saída dramática para a tensão que constrói. A expectativa, dada a potência do material de origem, era a de uma jornada mais eletrizante, mesmo em sua melancolia.
O resultado final é um trabalho digno de respeito, um filme que certamente agradará aos fãs mais devotos interessados em desvendar os mistérios por trás daquelas gravações caseiras. A fotografia sombria e a direção de arte imersiva são primorosas. Contudo, Salve-me do Desconhecido fica um passo aquém da grandeza trágica e visceral do próprio álbum que busca retratar.
O resultado é um retrato valioso e bem-executado de um momento crucial, mas que, talvez ecoando a luta do próprio Springsteen na época, busca uma faísca de transcendência que nem sempre se acende. Fica, assim, a sensação de um álbum-genial que ainda aguarda um filme à sua altura.
Adriana Maraviglia
@revistaeletricidade
