Oh, Canadá: O Peso da Memória e o Vazio do Mito
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Estreando no Brasil em 5 de junho de 2025, Oh, Canadá marca a nova colaboração de Paul Schrader (O Grande Truque, O Mestre Jardineiro) com o universo literário de Russell Banks, adaptando o romance Foregone. O filme apresenta Leonard Fife (Richard Gere), um documentarista canadense-americano à beira da morte que resolve desmontar sua própria lenda numa entrevista final. Aos 78 anos, Fife expõe segredos enterrados há décadas: sua fuga dos EUA para evitar a Guerra do Vietnã, traições conjugais e o abandono da família. A narrativa alterna entre o presente sombrio — onde Fife é interrogado por ex-alunos (Michael Imperioli) sob o olhar vigilante da esposa Emma (Uma Thurman) — e flashbacks de sua juventude rebelde, vivida por Jacob Elordi.
Schrader opta por uma estrutura fragmentada, usando linguagens visuais distintas para cada tempo: o presente ganha cores soturnas e luzes contrastantes, ecoando a claustrofobia da morte; o passado dos anos 1960 surge em preto e branco para memórias íntimas, ou em tons vivos durante a fuga ao Canadá; já as visões oníricas adotam tons alaranjados, homenageando Bergman em Gritos e Sussurros. Essa escolha estética divide a crítica — alguns veem poesia na desordem, reflexo da mente de um moribundo; outros a julgam caótica e pretensiosa, minando a imersão na jornada do protagonista.
Nas atuações, Richard Gere entrega sua performance mais vulnerável em anos, construindo um Fife corroído pela culpa, cujas confissões oscilam entre arrogância e desespero. Gere captura a ambiguidade de um mito em autodestruição, especialmente quando narra eventos encenados pelo jovem Elordi — criando um diálogo geracional perturbador. Elordi, por sua vez, surpreende ao transmitir a ambição e covardia de um homem que troca responsabilidades por ideais convenientes. Já Thurman e Imperioli, infelizmente subutilizados, ficam restritos a reações silenciosas ou intervenções pontuais.
Schrader revisita suas obsessões temáticas: a culpa calvinista manifesta-se em Fife como um típico “homem em um quarto”, confrontando demônios em confinamento; a fuga ao Canadá é exposta como egoísmo disfarçado de ativismo, numa ácida crítica ao complexo de herói do progressista médio; e o cinema documental é desmascarado como mentira — afinal, Fife construiu uma carreira denunciando hipocrisias alheias enquanto ocultava as suas.
Apesar das ambições, o filme tropeça em falhas estruturais. Temas potentes como a convocação para o Vietnã e o exílio político são tratados com superficialidade, reduzindo o Canadá a mera metáfora de fuga, sem densidade histórica. O ritmo também é desigual: enquanto as cenas do presente com Gere e Thurman ardem em intensidade dramática, os flashbacks com Elordi perdem-se em episódios desconexos.
Oh, Canadá é uma obra desafiadora, porém incompleta. Schrader acerta ao desconstruir os mitos da geração dos anos 1960 e ao presentear-nos com um Gere magnético. A fotografia de Andrew Wonder e a trilha de Phosphorescent brilham em meio às sombras. Contudo, a fragmentação narrativa, que poderia ser inovadora, esvazia o impacto emocional, resultando num drama sobre mortalidade mais interessado na forma que no conteúdo.
Adriana Maraviglia
@revistaeletricidade
Assista ao trailer de “Oh, Canadá”: