Tijolos do Medo: O Fenômeno Brick e as Prisões Invisíveis que a Netflix nos Mostrou

Brick – foto: Reprodução

Brick (Netflix, 2025), dirigido pelo alemão Philip Koch, transcende seu status de filme mais assistido da plataforma para se tornar um artefato cultural perturbador. Transformando tijolos negros em espelhos de nossas angústias contemporâneas, este thriller sci-fi encapsula a essência mais sombria de Black Mirror: a tecnologia banal convertida em cárcere existencial. A premissa — um casal (Matthias Schweighöfer e Ruby O. Fee) descobre seu prédio selado por uma parede magnética indestrutível, forçando alianças com estranhos para sobreviver — é apenas o alicerce para uma narrativa sobre os muros invisíveis que erguemos em nossos próprios relacionamentos.

A parede de nanorrobótica, criação de uma empresa fictícia, transcende sua função física, atuando como dispositivo alegórico que expõe fraturas emocionais pré-existentes. Tim (Schweighöfer) e Olivia (Fee) já viviam um encarceramento psíquico antes do bloqueio: ela, dilacerada pela perda de um filho; ele, refugiado no trabalho para fugir do luto compartilhado. A barreira externa materializa o isolamento afetivo do casal, confirmando a premissa de que inovações tecnológicas servem como catalisadoras de tragédias humanas.

Koch constrói uma estética de sufocamento progressivo com planos sequência verticais pelos buracos entre apartamentos — criando labirintos visuais que ecoam Cube (1997) —, close-ups asfixiantes que capturam o pânico em microexpressões, e uma trilha sonora minimalista (Anna Drubich) onde o silêncio é mais ameaçador que qualquer ruído. Herdeiro de uma tradição germânica, o diretor rejeita o espetáculo vazio: a parede (efeito digital por vezes questionável) importa menos que seu impacto psicológico. A câmera persegue os personagens como um predador, enquanto a iluminação gelada acentua a desumanização do espaço confinado.

Como Black Mirror, o filme disseca paranoias do século XXI: teorias conspiratórias (encarnadas por Yuri, um policial que defende a parede como “proteção” contra um caos externo nunca verificado), vigilância clandestina (câmeras ocultas nos apartamentos, evocando 1984) e a desumanização em sociedades hiperconectadas (a parede como metáfora dos algoritmos que nos segregam em bolhas digitais). Contudo, Brick oscila ao desenvolver esses temas. Personagens secundários — uma neta frágil, um avô doente, turistas desesperados — são reduzidos a funções narrativas, perdendo a oportunidade de aprofundar críticas sobre alienação urbana. Yuri, em especial, desliza para um maniqueísmo que destoa da complexidade moral da série inspiradora.

A salvação narrativa vem de Schweighöfer e Fee (que são um casal na vida real), que elevam o material além de seus limites. Schweighöfer transmite a fragilidade de um homem incapaz de confrontar a dor com ombros curvados e voz contida. Fee irradia desespero transformado em resiliência — seu olhar captura a raiva e vulnerabilidade em equalização. A química palpável justifica a jornada emocional do casal sob pressão extrema, conferindo credibilidade a uma reconciliação forjada na crise e resgatando diálogos por vezes expositivos.

Fenômeno de audiência, ocupando a primeira posição global da plataforma, Brick prova que premissas claustrofóbicas ressoam em tempos de isolamento digital, mas críticas apontam contradições: sua atmosfera opressiva e protagonistas carismáticos contrastam com a subutilização do elenco coadjuvante, explicações científicas apressadas e um tom oscilante entre drama íntimo e thriller de ação. O filme é mediano como sci-fi cerebral, mas potente como alegoria emocional. Seu final — funcional porém simplista — evita as ambiguidades perturbadoras de Cube, oferecendo uma conclusão reconfortante, ainda que superficial para as questões que levanta.

Brick não reinventa a roda, mas solidifica uma tendência: distopias minimalistas que usam o horror espacial para falar de solidão contemporânea. É como um episódio mediano de Black Mirror — menos ácido que “Playtest“, menos polido que “San Junipero” —, porém indispensável para quem busca ficção científica de ideias. Apesar de tijolos narrativos mal assentados, sua crítica ao isolamento autoimposto — em tempos de redes sociais e lutos não elaborados — ecoa com urgência. Como dizem os personagens: “Às vezes, a única saída é cavar mais fundo”. E o filme convida à reflexão: que paredes invisíveis você ergueu ao seu redor?

Adriana Maraviglia
@revistaeletricidade

Assista ao trailer de Brick:

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