Indomável – O Sussurro da Natureza e os Demônios Humanos
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Alcançando o primeiro lugar entre as séries mais assistidas da Netflix no Brasil, Indomável transforma o majestoso Parque Nacional de Yosemite no cenário de um thriller psicológico que cativa tanto pelos mistérios humanos quanto pela força avassaladora da natureza.
A trama segue o atormentado agente federal Kyle Turner (Eric Bana) em sua investigação sobre a queda fatal de uma mulher do icônico El Capitan – um suposto acidente que desvela uma teia de corrupção, segredos ancestrais e conflitos morais. Ao seu lado, a racional guarda florestal Naya Vasquez (Lily Santiago) surge como contraponto em um ambiente onde a civilização parece uma ideia a ser mantida à distância.
A verdadeira estrela da série, contudo, é o Yosemite em sua dimensão cinematográfica surpreendente e encantadora. As lentes capturam a grandiosidade de El Capitan com reverência quase religiosa – sua face de granito banhada pelo sol ou envolta em névoas fantasmagóricas. Sequências aéreas sobrevoam florestas de sequoias ancestrais, cujas copas formam um teto vivo, enquanto rios cristalinos cortam vales como veias da terra. A fotografia não se contenta em ser cenário; transmuta o parque em entidade orgânica, respirante e ameaçadora. A luz filtrada por folhagens cria sombras que escondem perigos, cânions ecoam solidão, e penhascos vertiginosos lembram a fragilidade humana. Tempestades súbitas refletem o caos interno de Turner, e o silêncio das montanhas amplifica seus demônios. A série também expõe a face sombria deste paraíso: minas abandonadas, acampamentos ilegais e trilhas que levam a crimes, provando que não pode haver segurança alguma onde o ser humano está presente.
Eric Bana oferece uma atuação sutil e devastadora. Seu Kyle Turner não é o herói invencível: é um sobrevivente marcado pela culpa, cuja dor transparece em olhares perdidos e gestos contidos. Bana navega entre violência latente e ternura inesperada, especialmente nas cenas com Gael, o filho de Naya – lampejos de redenção num mundo corrompido. Sua química com Lily Santiago (sólida como a pragmática guarda florestal) é o motor emocional, representando o conflito entre razão e instinto selvagem.
Indomável brilha ao subverter o thriller policial tradicional. Troca reviravoltas baratas por uma tensão lenta e atmosférica, onde pistas surgem de pegadas na lama, galhos quebrados ou sons da natureza. Os episódios curtos (40-50 min) mantêm ritmo ágil, impulsionados por uma trilha sonora minimalista que incorpora uivos do vento, rugidos de quedas d’água e o crepitar de fogueiras.
Porém, o roteiro que levanta alguns temas importantes como a crise indígena, os moradores ilegais dentro do parque e o tráfico são introduzidos com potencial, mas sem muito o aprofundamento necessário para servir a uma boa crítica social e o roteiro acaba mesmo perdendo-se no arco central de Turner.
O sucesso estrondoso no Brasil não é acidente. Indomável oferece uma combinação cativante: thriller psicológico bem estruturado, performance magistral de Eric Bana e a beleza brutal do Yosemite. É uma série para ser maratonada, envolvendo o espectador em atmosfera única de mistério e introspecção. Embora não inove profundamente e deixe temas paralelos subdesenvolvidos, seu poder de imersão é inegável.
Assista pela jornada humana de Bana, mas principalmente pelas paisagens do Yosemite em sua majestade cinematográfica – um personagem inesquecível que prova como a natureza pode ser, simultaneamente, refúgio sagrado e espelho cruel dos monstros que carregamos dentro de nós.
Adriana Maraviglia
@revistaeletricidade