“Amores Materialistas” e a Desconstrução do Romance na Era Capitalista

Amores Materialistas – foto: Reprodução

Chegando aos cinemas nesta quinta-feira (31/07), “Amores Materialistas”, da diretora Celine Song, de “Vidas Passadas” (2023), é um filme que subverte astutamente as comédias românticas tradicionais para refletir sobre a mercantilização do amor no capitalismo contemporâneo. Protagonizado por Dakota Johnson como Lucy, uma casamenteira profissional que gerencia relacionamentos alheios enquanto se debate entre Harry (Pedro Pascal), um milionário aparentemente perfeito, e John (Chris Evans), seu ex-namorado endividado, o longa coloca uma questão incômoda: o amor é um investimento emocional ou um cálculo financeiro?

O filme inicialmente seduz o espectador com elementos familiares do gênero romântico. O triângulo amoroso ecoa clássicos como “Sabrina” (1954), onde dois homens de mundos opostos disputam a protagonista. A figura da “casamenteira” remete a musicais como “Alô, Dolly!” (1969), e o cenário nova-iorquino reforça a tradição de filmes como “Harry e Sally” ou “Amor a Segunda Vista”, apresentando a cidade como um laboratório de encontros. Até a campanha de marketing, com hashtags como #TeamPedro e #TeamChris, parece alimentar a fantasia romântica ao estilo de “O Casamento do Meu Melhor Amigo” (1997).

Porém, Song rapidamente desmonta essa estrutura. Enquanto as comédias românticas parecem celebrar o “amor verdadeiro” que supera todos os obstáculos, Lucy declara sem pudor: “Tem que ser rico”. Seu trabalho expõe a lógica cruel por trás dos relacionamentos modernos: catalogar parceiros por biotipo, salário e status, materializando a tese de Zygmunt Bauman sobre o “amor líquido” numa sociedade de consumo. Aqui não há finais felizes simplistas ou concessões mágicas. O conflito central é interno: Lucy oscila entre a estabilidade financeira representada por Harry e a conexão autêntica com John, sem que a narrativa imponha uma solução. A tonalidade predominante é de melancolia irônica, distante do humor leve das comédias – como na cena de abertura numa caverna pré-histórica, questionando se o materialismo amoroso é mesmo um fenômeno moderno.

Song constrói uma crítica social contundente. Através de Lucy – traumatizada pela instabilidade financeira dos pais –, o filme expõe como aplicativos de namoro reduzem pessoas a um simples “arrasta para o lado” e transformam relações em dados a colocar em uma planilha. Harry (Pascal), o “unicórnio” (rico, bonito, emocionalmente disponível), revela-se uma construção frágil, evidenciando que até o “homem dos sonhos” pode esconder vulnerabilidades. Tecnicamente, a diretora reforça essa desconstrução: a fotografia de Shabier Kirchner alterna enquadramentos simétricos (frieza das escolhas racionais) com câmeras manuais (caos emocional), enquanto a trilha sonora evita temas românticos grandiosos, optando até mesmo por silêncios que destacam a vacuidade dos diálogos mercantilizados.

“Amores Materialistas” é, essencialmente, um drama sociológico disfarçado de romance. Se falha em entregar a química eletrizante de duplas clássicas como Hepburn/Grant, é porque seu propósito é justamente mostrar conexões truncadas pela lógica do mercado. Song não oferece respostas fáceis, mas provoca com uma pergunta lancinante: “O amor é a única coisa que o capitalismo não pode tocar?”.

Para fãs do gênero, o resultado pode soar desencantador. Como análise da modernidade, porém, o filme é um retrato afiado de como transformamos afeto em commodity, convidando-nos a questionar se nossas escolhas amorosas nascem do coração ou da calculadora. Longe dos finais felizes da velha Hollywood, mas talvez mais verdadeiro do que eles jamais ousaram ser.

Adriana Maraviglia
@revistaeletricidade

Assista ao trailer de “Amores Materialistas”:

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