O Ritual (2025) — Terror, Fé e o Peso do Real

O Ritual – foto: Reprodução

Chega aos cinemas brasileiros nesta quinta-feira, 31 de julho, “O Ritual” é um filme que promete sacudir o gênero de terror com uma premissa inquietante: ser baseado no “exorcismo mais documentado de todos os tempos”, o caso real de Emma Schmidt, ocorrido em 1928 nos Estados Unidos. Dirigido por David Midell e estrelado por Al Pacino e Dan Stevens, a produção se afasta dos sustos fáceis e mergulha em um poço de dúvidas espirituais, culpas humanas e um questionamento visceral sobre a natureza da fé. Embora não escape completamente das convenções do subgênero de possessão, oferece uma experiência tensa e reflexiva, sustentada por escolhas estéticas arriscadas e performances sólidas .

O filme acompanha dois padres em crise: o jovem Steiger (Dan Stevens), mergulhado em luto e ceticismo após a morte do irmão, e o veterano Theophilus (Al Pacino), atormentado por um fracasso passado durante uma tentativa anterior de exorcizar Emma. Quando a jovem (Abigail Cowen) é possuída por uma entidade poderosa, os dois são forçados a superar conflitos pessoais e teológicos para conduzir um ritual perigoso. A trama não se limita ao confronto com o sobrenatural; ela escava as feridas emocionais dos personagens, transformando o exorcismo em um palco para dramas humanos intensos. Steiger luta contra a descrença e uma tensão sexual não resolvida com a freira Rose (Ashley Greene), enquanto Theophilus carrega o fardo de uma fé cansada, quase esgotada pela batalha eterna contra o mal. O talento de Pacino empresta ao seu personagem uma gravidade resignada que é uma das forças do filme.

Midell opta por uma abordagem visual deliberadamente crua e documental. A câmera na mão, instável e por vezes claustrofóbica, aproxima o espectador do caos que se instala na igreja onde o ritual ocorre. Close-ups suados, ângulos desorientadores e uma iluminação sombria criam uma atmosfera de urgência e desespero. Essa escolha, porém, é faca de dois gumes: se, por um lado, amplifica a sensação de realismo e imersão, por outro, pode gerar desconforto visual e parecer excessiva em momentos cruciais, chegando a distrair da narrativa. A trilha sonora, no entanto, é um acerto constante: sons ambientais, sussurros perturbadores e silêncios súbitos são usados com maestria para construir tensão, dispensando sustos previsíveis .

O Ritual” é um tanto tímido em efeitos especiais, embora a maquiagem e a atuação física de Abigail Cowen como Emma sejam convincentes, o que dá ao filme um maior espaço na exploração psicológica e teológica da história. O roteiro de Midell e Enrico Natale questiona a fé institucionalizada, a burocracia da Igreja e o paradoxo de um Deus que permite o sofrimento. O demônio aqui não é apenas uma força maligna; é um catalisador que expõe as fraquezas, hipocrisias e raivas adormecidas de todos ao redor da vítima. O terror, portanto, nasce menos de manifestações sobrenaturais espetaculares e mais do colapso espiritual daqueles que deveriam ser os bastiões da fé. É um filme que provoca inquietação existencial, ecoando após os créditos finais .

Embora tenha méritos inegáveis, o longa não é imune a críticas. O ritmo arrastado da primeira metade pode testar a paciência de alguns, e o excesso de convenções do gênero (como a figura do padre cético e o veterano atormentado) empresta certo ar de déjà vu. A duração de 94 minutos, porém, evita que a narrativa se perca. Para quem busca inovação radical no terror, “O Ritual” pode parecer conservador. Contudo, sua força reside justamente na contenção: ao priorizar o drama humano sobre o horror gratuito e ao usar o “fato real” como espelho para fragilidades universais, ele oferece uma experiência assustadora de modo mais cerebral e menos visceral. Não é revolucionário, mas é competente e perturbador à sua maneira .

Para o público brasileiro que estreia nesta quinta-feira, O Ritual é uma recomendação sólida, com ressalvas: não espere o terror clássico de O Exorcista, mas uma obra que usa a possessão como pano de fundo para falar de culpa, redenção e o peso da crença em um mundo fragmentado. Pacino e Stevens entregam performances dignas, e a direção, mesmo com seus excessos, cria claustrofobia eficaz. É um filme para quem não tem medo de encarar as sombras da dúvida — tanto as dos personagens quanto as que pode encontrar dentro de si.

Adriana Maraviglia
@revistaeletricidade

Assista ao trailer de “O Ritual”:

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