O Retorno: A Odisseia de um Herói Partido

O Retorno – foto: Reprodução

Chegando nesta quinta-feira (04/09) aos cinemas brasileiros, O Retorno além de trazer para as telas um dos maiores clássicos da literatura; “A Odisseia”, reúne mais uma vez Ralph Fiennes e Juliette Binoche, 30 anos após o inesquecível O Paciente Inglês (1996), e a sua química é, desde o primeiro instante, uma das joias mais preciosas desta adaptação que chega hoje aos cinemas brasileiros.

Dirigido por Uberto Pasolini, O Retorno não é mais uma adaptação convencional do poema épico. O filme concentra-se exclusivamente no último canto da obra, narrando o regresso de Odisseu à Ítaca após duas décadas de guerra e de vagar pelo mundo. O que encontramos não é um herói triunfante, mas um homem física e emocionalmente devastado, marcado pelo trauma da Guerra de Troia. É uma premissa fascinante: uma releitura que troca a grandiosidade mitológica por um retrato humano e psicológico intenso, mergulhando fundo em temas como o stress pós-traumático, a identidade diluída e a difícil, quase impossível, reintegração de um veterano de guerra.

A fotografia, assinada por Marius Panduru, é um personagem por direito próprio. Ela não se limita a embelezar; constrói a narrativa e amplifica cada emoção. A câmara capta a beleza austera e crua das locações na Grécia, transformando a paisagem árida e acidentada num espelho fiel da alma devastada de Odisseu. A luz intensa do Mediterrâneo é quase cruel, expondo cada ruga de cansaço no rosto de Fiennes e cada nuance de desespero contido no de Binoche. Dentro do palácio, a fotografia adota um tom mais sombrio e claustrofóbico, onde a luz que entra por frestas cria jogos de luz e sombra que refletem a opressão e a conspiração que cercam Penélope. E é nos close-ups, nos planos detalhados que capturam o olhar dos atores, que a fotografia alcança o seu auge, permitindo que a dor silenciosa de Odisseu e a resiliência fatigada de Penélope dialoguem diretamente com o público, sem necessidade de palavras.

O elenco é onde o filme verdadeiramente brilha, com performances que elevam o material a uma esfera superior. Ralph Fiennes oferece uma atuação magistral e contida. Seu Odisseu é o fantasma do guerreiro que partiu, e Fiennes comunica mais com o silêncio e o olhar do que com discursos. A sua postura física – curvada, mas ainda perigosa – e a expressão de um cansaço profundo são um estudo de sutileza e intensidade. Ele não interpreta um herói mítico; interpreta um homem partido à procura dos seus fragmentos, e é nessa vulnerabilidade que reside sua força verdadeira.

Juliette Binoche, por sua vez, confere a Penélope uma dignidade trágica e uma ferocidade silenciosa. Presa numa gaiola de ouro, ela não é uma vítima passiva, mas uma estrategista que usa sua inteligência para sobreviver. A sua química com Fiennes transborda a tela, acrescentando novas camadas à narrativa.

O ritmo é deliberadamente lento, focando no drama de personagens, o que pode não agradar a quem esperava por um épico de ação.

No entanto, O Retorno é uma adaptação ousada e introspectiva de um clássico eterno. Mais do que uma aventura, é um estudo de personagem profundamente comovente sobre trauma, perdão e a difícil volta para casa. A sua maior força reside na fotografia expressiva e nas atuações excepcionais do seu elenco, liderado por um Ralph Fiennes sublime e pela sempre magnética Juliette Binoche. Um filme para quem aprecia cinema de arte, dramas históricos com profundidade psicológica e performances que ficam gravadas na memória. É um filme que honra o espírito de Homero ao olhar para o seu herói não através do prisma da lenda, mas dos olhos de um homem.

Adriana Maraviglia
@revistaeletricidade

Assista ao trailer de “O Retorno”:

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