Distopia Americana: Em “Uma Batalha Após a Outra”, o Pesadelo é Agora
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Recém-chegado aos cinemas, o novo filme de Paul Thomas Anderson surge com a urgência de um soco nesta temporada de premiações que está apenas começando, uma obra que respira o nosso tempo sem perder a ambição formal. Mais do que um thriller de ação, o longa funciona como um espelho cruel da América contemporânea, onde a normalização da violência política continua acontecendo cotidianamente.
Anderson constrói um artefato que é simultaneamente sátira e denúncia dramática: há humor negro pontuando os momentos mais tensos, cenas de pura adrenalina e instantes de silêncio cortantes. Leonardo DiCaprio entrega uma performance crua e vulnerável, centrada num homem que carrega abandono, medo, mas também uma força que o torna capaz de deixar tudo para trás quando precisa resgatar a filha adolescente, Willa (Chase Infiniti), das mãos dos velhos inimigos.
No núcleo da trama, o grupo French 75 emerge como força revolucionária que combate um Estado Fascista, capaz de montar campos de concentração para prender imigrantes, e acaba empurrado para a clandestinidade. A narrativa não se preocupa em dar explicações, apenas carrega o espectador para testemunhar os efeitos colaterais do conflito sobre pessoas concretas: perdas, culpa e a persistência dos laços.
Teyana Taylor aparece como Perfidia Beverly Hills, namorada de Bob Fergunson (DiCaprio) e revolucionária cuja presença acrescenta ainda mais tensão em um caldeirão já fervente; uma personagem que coloca sua ideologia acima de tudo. Benicio del Toro, sereno e contundente, aparece como Sergio, a voz calma que materializa uma resistência humana e prática diante do caos.
A sátira atinge seu ápice no Clube dos Aventureiros de Natal, uma sociedade secreta de supremacistas brancos desenhada com rituais ridículos e um apego patético a ícones natalinos. Sean Penn encarna o Coronel Steven Lockjaw de forma grotesca e hilariante; o personagem sonha obsessivamente em ser aceito no clube, e Anderson deliberadamente lhe nega qualquer carisma, tornando-o menos uma figura sedutora do que um espelho da patologia do poder reacionário.
Tecnicamente, o filme é uma aposta de ousadia: filmado em VistaVision, que oferece textura, escala e empresta um certo ar setentista a cenas como a eletrizante perseguição de carros, em uma quase montanha-russa, no meio do deserto, que cumpre o papel de deixar o público sem fôlego.
A trilha de Jonny Greenwood impõe um nervosismo que casa com a mise-en-scène. O resultado é um filme que não proclama profecias, mas assinala sintomas — e por isso soa tão inquietantemente próximo do presente.
Ao final, “Uma Batalha Após a Outra” se revela um exercício de resistência estética: Anderson transforma a fúria política em cinema vivo, capaz de ferir e comover, lembrando que a pergunta essencial permanece íntima — como manter a humanidade quando tudo conspira para que ela desapareça.
Adriana Maraviglia
@revistaeletricidade