O Assassinato da Narrativa: A Morte de Odete Roitman em “Vale Tudo” é um Crime de Roteiro

Vale Tudo – foto: Reprodução

Não sou telespectadora assídua da nova versão de “Vale Tudo”. Confesso que sabia muito mais do desenrolar da trama pelos noticiários e manchetes televisivas, do que por ter assistido efetivamente mais do que uma ou duas cenas.

Mas desta vez, sentei-me no sofá nesta segunda-feira com um propósito específico: conferir in loco o tão comentado capítulo da morte de Odete Roitman. Uma cena que, na memória afetiva de milhões de brasileiros, é um marco. O que eu testemunhei, no entanto, foi menos um capítulo de novela e mais uma constatação triste e cabal do amadorismo narrativo que vem pautando cada vez mais estas atrações televisivas que um dia já tiveram a capacidade (e a qualidade) para parar o país. As chamadas na TV já anunciavam o desastre, e a realidade foi ainda pior do que se podia esperar.

O capítulo em questão, deveria ser o ápice de uma trama envolvente, que questionava a ética em um país, que, em 1988, emergia lentamente das trevas profundas de mais de 20 anos de Ditadura.

A morte da vilã naquele momento, criou uma imensa expectativa que engajou ainda mais o público na trama, com as notícias de que haviam sido filmados diversos finais diferentes.

Nesta nova versão, existe a mesma promessa, com 10 finais diferentes e envolvendo os 5 suspeitos apresentados no capítulo de hoje, numa tentativa de engajar o público no “modo investigação”. Mas o que chamou atenção nesta noite foi a tentativa de criação de um mistério, mas com um amadorismo de doer os olhos.

Aquela preparação implicando um certo número de personagens, que acontece tão naturalmente até naquela seriezinha mais capenga do streaming, na novela foi uma coisa assustadoramente mal feita, sem levar em conta até a própria lógica da ação.

Odete está sozinha no quarto e abre a porta para cada um dos possíveis assassinos que chega. Usando a roupa cinza, drapeada, uma homenagem à Odete de Beatriz Segall, ela pede calma ao assassino/a, chamando de “meu bem”, para que qualquer um dos suspeitos possam continuar sendo considerados.

Impossível deixar de comparar com a versão original de 1988, escrita por Gilberto Braga. Naquela ocasião, a morte de Odete (a icônica Beatriz Segall) foi um mero acidente, Leila (Cassia Kis) atira em Odete, achando que estava atirando em Maria de Fátima (Glória Pires), amante de Marco Aurélio (Reginaldo Farias).

Agora, temos a impressão de que todos saíram de casa com o intuito de matar a megera, mas apenas um deles atirou. Mas como? Diante dos olhos dos outros? Teremos então um assassinato coletivo como o clássico “Assassinato no Oriente Express”, de Agatha Christie?

O que vimos nesta versão de 2025 de “Vale Tudo” parece uma paródia não intencional de um gênero sempre popular no cinema, o suspense policial, que, nos bons filmes é construído cuidadosamente em cada um de seus detalhes e certamente há muitos quilômetros de distância dessa correria.

A sensação é a de que a escritora Manuela Dias, diante da tarefa de recriar a morte emblemática que parou o Brasil, buscou um caminho mais curto e raso, está simplesmente dizendo ao público: estes são meus suspeitos, todos foram ao encontro de Odete, todos estavam armados, façam suas apostas! Faltou inteligência, faltou malícia, faltou o prazer de enganar o espectador com elegância.

Concluo com a firme convicção de quem não estava mergulhada no dia a dia da trama, mas fez questão de conferir o seu momento decisivo: este capítulo foi um desastre. Um desastre que simboliza um mal maior na teledramaturgia atual – a pressa, o desrespeito com a inteligência do público e a incapacidade de entender que alguns arquétipos precisam de mais do que uma releitura superficial; precisam de reverência narrativa. A Odete Roitman de 1988 foi a vítima de um crime perfeito. A de 2025, foi vítima de um crime contra a própria narrativa. E, nesse caso, o culpado não é um misterioso personagem, mas uma combinação fatal de roteiro e direção sem inspiração. Uma pena.

Adriana Maraviglia
@revistaeletricidade

Comente: