Um Vale-Tudo que Não Valeu Nada: O Fim Covarde da Novela que Ignorou o Brasil

Vale Tudo – foto: Reprodução

Agora que a poeira baixou e o segredo de marketing se revelou uma cortina de fumaça, a farsa está escancarada. O que a Globo e Manuela Dias venderam como um “remake” de Vale Tudo não foi uma homenagem, mas um assassinato em praça pública do texto original de Gilberto Braga. O corpo do crime é o Brasil de 2025, um país que a tela preferiu ignorar, trocando a complexidade da nossa realidade pelo suspense raso e pela lógica efêmera do clickbait.

A obra de 1988 era um soco no estômago. Nascia junto com a Constituição Cidadã, num país que sangrava após 21 anos de ditadura e via planos econômicos insanos aprofundarem o abismo da desigualdade. Braga não tinha medo: colocou a corrupção, a fome, a injustiça e a sede de poder no centro do palco. Era ficção que doía porque era espelho.

A versão de 2025, em contraste gritante, é um murmúrio covarde. Enquanto o Brasil real é devorado pelo PIOR CONGRESSO DA NOSSA HISTÓRIA—uma horda de aventureiros que se banqueteia com dinheiro público, blinda super-ricos e declara guerra aberta aos direitos do povo—, a novela fugiu para um universo particularista e assustadoramente alienado. O silêncio da ficção diante do estrondo da realidade não é ingenuidade; é escolha política. É o alinhamento com um projeto de poder que exige distração, e não reflexão.

A alienação foi uma opção de roteiro, e o marketing, seu cúmplice. A trama se transformou num festival inédito de merchans, borrando a linha entre capítulo e intervalo comercial. Mas o mais grave é que, mesmo nessa rendição ao vazio, a produção optou pela displicência.

A já pouco inspirada pergunta “Quem Matou Odete Roitman?” foi executada com amadorismo de teatro escolar. A investigação policial flutuou no vácuo, sem compromisso com qualquer verossimilhança, nem a mais básica. Como explicar a trajetória de Maria de Fátima, que, após tentar todos os golpes, engravida de um bilionário e simplesmente entrega o bebê para a mãe criar, sem sequer cogitar um “golpe da barriga”? É mais que um furo de roteiro; é uma afronta à inteligência do público.

Tudo isso, porém, era só o ensaio para o grande atentado final. A edição do último capítulo no próprio dia, com finais alternativos, foi a confissão explícita de que a conclusão pouco importava. O papel aceita tudo, então por que se dar ao trabalho?

A reviravolta inverossímil—a morte que não foi morte, o assassino confesso de um crime que não existiu—foi a pá de cal. Um truque barato que zomba abertamente da audiência. Enquanto o Brasil real debate o estrago causado por deputados e senadores que agem como nuvens de gafanhotos sobre cada centavo do orçamento, Vale Tudo nos entrega uma farsa. É a metáfora perfeita para a era da pós-verdade: muito barulho para nada, uma encenação gigantesca para distrair.

A pergunta “Quem Matou Odete Roitman?” nunca importou. A questão que fica é: quem assassinou a coragem da teledramaturgia brasileira? Quem silenciou o grito social e nos deixou com este eco vazio? A nova Vale Tudo não ousou refletir o Brasil do pós-golpe, onde políticos hipócritas são capazes de arrancar o chão sob os pés do povo, onde a liberdade de expressão é confundida com licença para mentir e a fé é transformada em esquema de lucro.

A Odete de 2025 não morreu. Mas a novela que a abrigou nasceu morta. E seu silêncio estrondoso sobre nossos dramas reais é seu legado definitivo: um pacto de covardia com o poder. Um vale-tudo que, no fim das contas, não valeu absolutamente nada.

Adriana Maraviglia
@revistaeletricidade

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