O Gênio Fora da Lâmpada: O Pesadelo Nuclear de “Casa de Dinamite”

Casa de Dinamite – foto: Reprodução

Enquanto o mundo assiste, atônito, a um dos piores ocupantes da Casa Branca da história recente gerenciar crises com a delicadeza de um rinoceronte em uma loja de cristais, a estreia de Casa de Dinamite, de Kathryn Bigelow, na Netflix, chega como um soco no estômago. Mais do que um filme de suspense, é um artefato que parece espelhar, com assustadora precisão, o caos que um possível evento nuclear poderia criar.

Este alerta cinematográfico para nosso tempo perturbador encontra um eco sinistro nos arquivos da Guerra Fria. Em Jogos de Guerra (1983), John Badham colocava o então ídolo adolescente Matthew Broderick no papel de um hacker que, em um acesso de curiosidade irresponsável, invade o sistema de defesa mais secreto dos EUA, imaginando estar invadindo uma fábrica de videogames. A premissa era o pesadelo máximo de sua era: um supercomputador, alimentado por uma inteligência artificial primitiva, encarregado de decidir o destino do mundo em um conflito nuclear contra um inimigo único e conhecido – a União Soviética.

Quatro décadas os separam, mas ambos os filmes respiram o mesmo medo ancestral: o fantasma do Armageddon e a tecnologia como um gênio fora da lâmpada. A divergência crucial, no entanto, está no retrato do monstro. Enquanto o clássico de Badham é um thriller tecnológico com um núcleo de esperança, onde o perigo emana de uma IA que confunde simulação com realidade, Casa de Dinamite emerge como seu irmão mais sombrio e cínico.

Jogos de Guerra é, no fundo, um conto de fadas onde a ameaça é um bug a ser corrigido por um gênio adolescente. A fé na razão e no final feliz permanece intacta. Já Bigelow desmonta essa fé, apresentando um mundo onde a falha não está na máquina, mas na complexidade impenetrável e na paralisia de um sistema que já não consegue nem mesmo identificar seu algoz.

Kathryn Bigelow, com a perspicácia brutal que marcou sua carreira, não faz concessões ao escapismo. Casa de Dinamite é o anti-Jogos de Guerra do século XXI. Aqui, a ameaça não é um código de computador, mas um míssil real, físico e imparável, vindo na direção de Chicago, enquanto um sistema de defesa tecnologicamente onipotente se mostra tragicamente incapaz.

A grande questão não é como impedi-lo, mas descobrir quem o lançou — e a máquina de inteligência norte-americana, em toda sua suposta sofisticação, não consegue responder a essa pergunta fundamental. Uma resposta que traz todo o peso da realidade, já que a diretora pesquisou diretamente com pessoas que trabalharam em cada uma das áreas que o filme retrata e foi detalhista ao mostrar cada um dos procedimentos descritos pelos manuais no roteiro, escrito pelo jornalista Noah Oppenheim.

O filme é um estudo sobre a impotência. Enquanto Jogos de Guerra nos mostrava um sistema que reagia rápido demais, Casa de Dinamite revela um sistema que não funciona quando mais importa. A tensão não está em linhas de código verde, mas no desespero silencioso de quem tem o poder, mas não o conhecimento. Bigelow expõe as fissuras na própria segurança nacional americana, a vulnerabilidade que brota de uma arrogância completamente injustificada em um mundo que se torna mais e mais multipolar.

E é aqui que o filme de 2025 morde com força. A presidência atual, um espetáculo triste de incapacidade, preconceito, fanatismo e arrogância, é a personificação viva dessa impotência retratada na ficção. Enquanto um míssil avança sobre Chicago na tela, a realidade nos mostra uma administração que parece igualmente perdida para identificar as reais ameaças à sobrevivência da humanidade.

Jogos de Guerra dava a esperança de que um garoto genial poderia consertar tudo. Casa de Dinamite não oferece salvadores. Oferece apenas o relógio correndo contra a incompetência. Quase meio século depois do clássico de Badham, Bigelow não nos entrega um thriller; ela entrega um diagnóstico brutal: um retrato de uma superpotência que desenvolveu a capacidade de ver tudo, mas perdeu o talento para compreender qualquer coisa.

Adriana Maraviglia
@revistaeletricidade

Assista ao trailer de “Casa de Dinamite”:

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