Morre Lô Borges, Gênio Tímido e Arquiteto do Clube da Esquina

Na noite deste domingo (02/11), a música brasileira perdeu um de seus sons mais delicados e ao mesmo tempo mais profundos. Aos 73 anos, partiu Lô Borges depois de passar 16 dias internado no Hospital Unimed de Belo Horizonte, com um quadro grave de intoxicação por remédios.
O menino gênio de Belo Horizonte que, com sua voz anasalada e suas canções que eram como sonhos acordados, ajudou a redesenhar o mapa da MPB. Morreu não um simples cantor ou compositor, mas um dos arquitetos de um dos maiores discos da música brasileira, o álbum “Clube da Esquina”.
Lô era a essência daquele movimento mineiro que floresceu nos anos 1970, não como um estilo, mas como um estado de espírito. Enquanto o mundo sambava, enfrentava ditaduras ou se perdia no caos do rock internacional, um grupo de jovens em Minas Gerais compunha sobre a passagem do tempo, as nuvens no céu, os trens que partiam e o amor que doía com a pureza de uma primeira paixão. E no centro dessa constelação, Lô Borges era sua estrela mais tímida e, paradoxalmente, uma de suas luzes mais brilhantes. Sua música era feita do barro das ruas de BH, mas alcançava o mundo inteiro.
Foi no lendário álbum duplo “Clube da Esquina”, de 1972, concebido em parceria com Milton Nascimento que a genialidade de Lô explodiu para o mundo. Ele, então com apenas 21 anos, não era um coadjuvante; era uma grande força criativa. Foi dele uma das canções que se tornaria o hino informal do movimento, “O Trem Azul”.
Mas Lô criou bem mais do que um hino. Era a textura sutil, o detalhe que comove. Canções como “Paisagem da Janela”, composta com Beto Guedes, ou “Clube da Esquina 2” são testamentos de sua sensibilidade única. Ele não cantava sobre o amor; cantava sobre a saudade que o amor deixa, sobre a luz da tarde que incide sobre uma lembrança. Sua voz, um sussurro carregado de emoção contida, era o instrumento perfeito para entregar letras que eram pequenas pérolas de lirismo cotidiano.
Com 16 discos solo, a carreira de Lô Borges começa no mesmo ano de lançamento do “Clube da Esquina”, em 1972, o chamado “Disco do Tênis” trazia canções como “Você Fica Melhor Assim” e uma música que era introspectiva sem ser egocêntrica, melancólica sem ser amargurada. Havia uma doçura, uma aceitação terna da vida e suas impermanências.

Lô Borges nunca buscou os holofotes. Viveu longe do centro do poder cultural do eixo Rio-São Paulo, como que protegendo a fonte pura de sua inspiração. Sua importância, no entanto, é imensurável. Ele foi um dos responsáveis por inserir uma sensibilidade rock’n’roll – no sentido de inquietação e liberdade – dentro da estrutura sofisticada da MPB, provando que a complexidade poderia andar de mãos dadas com a simplicidade melódica.
A noite mineira, célebre em suas canções, agora o acolhe. Mas sua música, esse sopro de poesia e melodia que ajudou a definir o que há de melhor na música brasileira, permanece. Como o trem azul de sua canção mais famosa, a obra de Lô Borges segue seu curso, levando e trazendo sonhos, consolando corações e iluminando as paisagens da janela de todos nós. É um legado de rara beleza, um suspiro que ecoará para sempre.
