Para além do arco-íris: a coragem de “Wicked: Parte 2” brilha

O público lotou os cinemas na quinta-feira (20/11), feriado no Brasil, para conferir o desfecho cinematográfico do musical Wicked, e os aplausos ao final de cada sessão dizem muito: a plateia parece ter decidido ignorar a saraivada de críticas negativas e abraçar esta segunda parte com entusiasmo. A discrepância entre crítica e público é nítida nos números do Rotten Tomatoes — 70% entre os críticos contra 97% do público — e revela duas leituras distintas de um mesmo espetáculo.
Filmado em conjunto com a primeira parte, Wicked: Parte 2 reapresenta a estética deslumbrante que encantou na estreia, mas altera radicalmente o tom. Se o primeiro filme ainda guardava uma réstia de esperança, aqui a narrativa deixa claro que nada permanecerá como antes. Jon M. Chu não entrega apenas uma conclusão: ele vira a lente e expõe as fissuras que a beleza não consegue mais ocultar.
O filme funciona como uma lupa sobre a maquiagem frágil do autoritarismo. O talento de Elphaba, vivido com fogo contido e dignidade por Cynthia Erivo, não é perseguido por ser “mau”; é caçado por ser verdadeiro. Ao desmontar, peça por peça, a farsa encenada pelo Mágico de Oz (Jeff Goldblum), sua magia deixa de ser espetáculo para se tornar ato de insurgência — um perigo para um regime que se sustenta em truques e na manipulação das massas. A narrativa abandona o otimismo ingênuo e mergulha num drama ácido em que a maior bruxaria é desmascarar os mentirosos de cartola.
No centro desse jogo de poder, Glinda, interpretada por Ariana Grande, escolhe o silêncio cúmplice. Sua trajetória não é uma conversão moral, mas uma negociação com o sistema: ela pesa privilégios contra princípios e decide manter o manto da “Garota Boa de Oz”. Glinda é a engrenagem que permite ao autoritarismo funcionar; enquanto Elphaba confronta o sistema, Glinda o legitima. A tensão entre as duas deixa de ser apenas pessoal e se torna profundamente ideológica.
As canções mais fáceis e triunfantes ficaram para trás, e isso é um ganho dramático. A ausência do refrão consolador força o filme a exercitar o conflito e a complexidade de um mundo sem respostas simples, apenas escolhas dolorosas. Chu dirige com pulso firme e imagética vibrante, construindo uma Cidade Esmeralda que brilha como espetáculo e assusta como máquina de poder.
Tecnicamente, o filme é impecável: direção de arte, figurinos e fotografia mantêm o nível alto da primeira parte, mas o mérito maior está na coragem artística de transformar um musical em fábula política. Wicked: Parte 2 não se contenta em entreter; provoca, incômoda e exige posicionamento. É uma obra que entende a política como tecido íntimo da narrativa — e não como pano de fundo.
Portanto, que os críticos debatam entre si. Este é o filme que precisávamos: uma fábula urgente sobre o custo da verdade num mundo governado por mentiras e um testemunho do poder revolucionário de quem se recusa a calar. É cinema de alto nível técnico e, sobretudo, de coragem artística — uma obra que não teme ser política e, por isso, verdadeiramente mágica.
Adriana Maraviglia
@revistaeletricidade
