“Congonhas: Tragédia Anunciada” – Um Documentário Necessário Sobre Negligência e Memória

Congonhas: Tragédia Anunciada – foto: Reprodução

Em Congonhas: Tragédia Anunciada, o diretor Angelo Defanti resgata uma das maiores tragédias da aviação brasileira com uma abordagem que vai além da reconstituição factual. A série documental, dividida em três episódios, não se limita a narrar o acidente do voo TAM 3054, que em 2007 matou 199 pessoas no Aeroporto de Congonhas. Ela expõe um sistema de falhas acumuladas, negligência institucional e a luta das famílias por justiça — uma história que, quase duas décadas depois, ainda ecoa como um alerta sobre os riscos da impunidade e do descaso.

Uma Tragédia que Poderia ter Sido Evitada

O acidente em si já era previsível. Como o título sugere, a série demonstra que o desastre foi resultado de uma sucessão de erros: uma pista sem ranhuras para drenagem da água (apesar de chuvas intensas), um reversor de empuxo inoperante, falhas na formação dos pilotos e a pressão por lucro em detrimento da segurança. Defanti utiliza a “Teoria do Queijo Suíço” — conceito do especialista em segurança James Reason — para ilustrar como cada camada de falha, quando alinhada, levou à catástrofe.

O documentário também contextualiza o chamado “apagão aéreo” dos anos 2000, período marcado por greves, superlotação dos aeroportos e falta de investimentos na infraestrutura da aviação civil. O acidente da Gol 1907, em 2006, já havia exposto as fragilidades do sistema, mas as lições não foram aprendidas.

A Dor das Famílias e a Busca por Justiça

Um dos maiores méritos da produção é dar voz às vítimas. Através de depoimentos emocionantes, como o de Dario Scott, pai da adolescente Thais, e Carmen Caballero, que perdeu duas filhas e a mãe, o espectador é confrontado com a dimensão humana da tragédia. A série não poupa detalhes sobre a dificuldade de identificação dos corpos — muitos reduzidos a fragmentos — e a angústia dos familiares diante da morosidade da Justiça.

Apesar das investigações apontarem responsabilidades da TAM, da Infraero e da Anac (a então diretora Denise Abreu é citada como figura central nas críticas), ninguém foi criminalmente condenado. A série questiona essa impunidade e mostra como as famílias foram, em muitos casos, instrumentalizadas por narrativas políticas.

Um Olhar Técnico e Crítico

Defanti equilibra o drama humano com análises técnicas, entrevistando especialistas em aviação, controladores de voo e jornalistas que cobriram o caso. Imagens de arquivo — como o vídeo que compara a velocidade anormal do pouso do Airbus A320 com a de outras aeronaves — reforçam a tese de que o acidente foi evitável.

O terceiro episódio, em particular, destaca as mudanças implementadas após a tragédia, como a reforma da pista de Congonhas e a revisão dos protocolos de segurança. No entanto, a série também levanta um debate urgente: até que ponto um aeroporto como Congonhas, cercado por prédios e com pistas curtas, deveria continuar operando?

Vale a Pena Assistir?

Congonhas: Tragédia Anunciada é um documentário essencial, não apenas pelo resgate histórico, mas por sua relevância atual. Em um momento em que o Brasil registra novos incidentes aéreos (como destacado na série), a obra serve como um lembrete sombrio de que, sem responsabilização e investimento em segurança, tragédias podem se repetir.

Defanti consegue transformar uma narrativa complexa em uma experiência cinematográfica envolvente, mesclando investigação jornalística, denúncia política e luto coletivo. Se há uma crítica a ser feita, é que alguns temas — como os impactos ambientais e de saúde causados pelo aeroporto — ficaram de fora por limitações de tempo.

Uma série dolorosa, mas necessária, que honra a memória das vítimas e desafia o espectador a refletir sobre quantas tragédias ainda são “anunciadas” no Brasil.

Adriana Maraviglia
@revistaeletricidade


Assista ao trailer de “Congonhas: Tragédia Anunciada“:

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