A Elegante e Ácida Dança Conjugal de Jay Roach
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Em cartaz nos cinemas brasileiros, mas já com sua chegada anunciada para breve, na Disney+, um exercício de audácia e reverência, o diretor Jay Roach nos presenteia com “Os Roses: Até que a Morte os Separe”, um remake que bebe da fonte de “A Guerra dos Roses” (1989), clássico de humor negro de Danny DeVito mas que, com suas próprias cores, pinta um retrato diferente do mesmo desastre conjugal. A pergunta que paira no ar como o aroma de um jantar queimado é: a guerra entre Theo e Ivy Rose, agora interpretados por um duo britânico de prestígio, consegue ecoar a ferocidade atemporal do original?
A resposta, como um bom matrimônio, é complexa. Roach, um artesão do humor inteligente, opta por uma abordagem menos visceral e mais psicológica. Se em 1989 víamos um casal se dilacerar com um prazer sádico quase shakespeariano, aqui a destruição é mais silenciosa, um veneno de ação lenta que contamina a relação aos poucos. O roteiro de Tony McNamara (A Favorita) é um champanhe de diálogos espumantes e ácidos, que atualiza a trama para os nossos tempos: a ambição profissional feminina, a fragilizada masculinidade do homem moderno e a falácia da autoajuda conjugal são alvos precisos de sua sátira.
E que intérpretes para esta dança! Olivia Colman, como Ivy, é uma força da natureza. Ela consegue, num único olhar, transmitir uma devoção absoluta e um ódio devastador. Sua personagem é a espinha dorsal do filme, e Colman entrega uma performance de camadas infinitas, tragicômica e profundamente humana. Ao seu lado, Benedict Cumberbatch encontra uma de suas atuações mais terrenas e vulneráveis como Theo, o arquiteto que vê seu mundo desmoronar. A química entre os dois não é de combustão espontânea, mas sim de uma tensão elétrica que cresce até se tornar insuportável—e irresistível de se observar.
No entanto, é nesta escolha por um tom mais dramático que o filme, por vezes, perde o equilíbrio. A sátira social do elenco de apoio (com Andy Samberg e Kate McKinnon) parece importada de outra comédia, criando um ruído tonal que destoa da sofisticação do núcleo principal. A audácia do humor negro cede lugar a um drama de divórcio mais convencional, ainda que muito bem executado.
“Os Roses: Até que a Morte os Separe” não supera a obra-prima cínica e cruel de DeVito—e talvez nem queira. É outra criatura. Um filme sobre como o amor não morre com um estrondo, mas com uma série de pequenos desprezos e desilusões. Para os fãs do elenco e para quem aprecia um diálogo afiado, é um banquete. Para os puristas do original, será uma experiência mais sutil, menos sanguinária, mas não menos trágica. No fim, a guerra continua a mesma; apenas as armas foram modernizadas.
Adriana Maraviglia
@revistaeletricidade