Bolero: A Dança Silenciosa de um Gênio Torturado

Bolero – foto: Divulgação

Bolero, filme da diretora Anne Fontaine (Coco Antes de Chanel), chega aos cinemas brasileiros nesta quinta-feira (17/04) como um mergulho elegante e melancólico na vida de Maurice Ravel (Raphaël Personnaz), o compositor francês cuja obra homônima se tornou uma das mais executadas no mundo. Mais do que uma cinebiografia convencional, o filme tece um retrato introspectivo do artista, explorando as contradições entre sua genialidade e sua fragilidade humana, entre a disciplina criativa e o caos emocional.

A narrativa acompanha os anos de bloqueio criativo de Ravel, pressionado pela coreógrafa Ida Rubinstein (Jeanne Balibar) para compor um balé “carnal e erótico” – uma demanda irônica para um homem retratado como reservado, quase assexuado, cuja relação com o mundo se dá mais através dos sons do que dos sentidos. Fontaine evita explicações simplistas para a gênese da canção, preferindo mostrar o processo laborioso e angustiante da criação. As cenas em que Ravel se deixa levar pelo ritmo de uma fábrica ou pelo farfalhar de uma luva de seda (um momento particularmente belo) sugerem que sua inspiração vinha de uma sensibilidade quase sinestésica, mas nunca reduzem a obra a um mero reflexo desses estímulos.

O filme adota uma estrutura não linear, espelhando a repetição hipnótica da composição de Ravel. Flashbacks revelam traumas – a rejeição no Prix de Rome, a morte da mãe (Anne Alvaro), a experiência na Primeira Guerra – enquanto cenas do futuro mostram seu declínio físico devido a uma doença neurológica ainda não diagnosticada. Essa abordagem impressionista, porém, nem sempre é eficaz: alguns saltos temporais parecem desconexos, e o ritmo lento da primeira metade pode testar a paciência do espectador.

Personnaz brilha como Ravel, capturando sua frieza exterior e sua turbulência interna com nuances sutis. Seu desempenho é complementado por um elenco sólido, especialmente Doria Tillier como Misia, a musa inatingível, e Emmanuelle Devos como a pianista Marguerite Long. A fotografia de Christophe Beaucarne emprega tons sépia e luzes difusas, evocando a Paris dos anos 1920 com um charme nostálgico, enquanto as interpretações das peças de Ravel (pelo pianista Alexandre Tharaud) enriquecem a experiência sensorial.

O filme apresenta o compositor como um “gênio torturado”, um clichê bastante explorado pelo gênero biográfico, quase um roteiro obrigatório para lidar com grandes personalidades artísticas.

Além disso, a ambiguidade em torno da sexualidade de Ravel – sugerida, mas nunca explorada – parece mais um subterfúgio do que uma escolha narrativa ousada. Mesmo assim, Bolero parece buscar a humanização do artista, retratando o homem que, mesmo após criar uma obra imortal, continua duvidando de seu próprio talento. A cena final, em que um Ravel já debilitado ouve sua composição e pergunta, surpreso, “Fui eu quem escreveu isso? Não ficou mal”, é comovente e reveladora.

Adriana Maraviglia
@revistaeletricidade

Assista ao trailer de Bolero:

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