“Cazuza: Boas Novas”- Uma Lição Atemporal sobre Arte, Morte e Rebeldia
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Estreando em 17 de julho de 2025, o documentário “Cazuza: Boas Novas”, dirigido por Nilo Romero e Roberto Moret, oferece um recorte intenso e necessário sobre os últimos anos (1987-1989) do ícone da música brasileira. Mais do que uma biografia linear, o filme mergulha na dualidade entre fragilidade e potência de um artista que, mesmo confrontado pelo diagnóstico de AIDS e pela deterioração física, viveu uma explosão criativa sem precedentes. Nesse período, Cazuza lançou três álbuns (“Só Se For a Dois”, “Ideologia” e “Burguesia”), realizou mais de 40 shows da turnê “O Tempo Não Para” e conquistou prêmios enquanto desafiava o preconceito da época. O documentário evita o tom piegas ao celebrar sua vida em vez de focar apenas na morte.
O maior trunfo da obra é seu acervo de imagens inéditas, que humanizam o mito: cenas emocionantes dos bastidores da gravação de “Burguesia” — feito com uma UTI móvel estacionada no estúdio —, o momento histórico em que Cazuza cuspiu na bandeira do Brasil durante show no Canecão (1988), e joias afetivas como uma transfusão de sangue feita para poder ir ao casamento de George Israel. Os depoimentos, tecidos com rara sensibilidade, reúnem figuras como Ney Matogrosso (que revela um breve namoro com o cantor), Gilberto Gil, Frejat e Lucinha Araújo. Frejat, por exemplo, aborda as mágoas pela saída abrupta de Cazuza do Barão Vermelho, resolvidas ainda em vida.
A direção de Nilo Romero — baixista, diretor musical do último show de Cazuza e seu amigo próximo — é o eixo narrativo. Sua intimidade com o artista garante acesso privilegiado a arquivos pessoais e histórias nunca contadas, como seu depoimento emocionado sobre o afastamento durante a gravação de “Burguesia”.
As canções do artista não são meras trilhas; são personagens dramáticas. “Burguesia”, “Faz Parte do Meu Show” e “Codinome Beija-Flor” surgem contextualizadas por histórias pessoais: “Boas Novas” reflete seu confronto com a morte, enquanto “Quando Eu Estiver Cantando” (composta com João Rebouças) transforma-se em testamento artístico. O filme mostra Cazuza no processo criativo, destacando como ele “parou de gritar para aprender a cantar” nos últimos anos.
Entre as potências do documentário está a emoção sem vitimização: a resistência de Cazuza contra o estigma da AIDS é retratada com orgulho, especialmente na cena em que declara “Não tenho vergonha de estar doente”. A crítica à mídia também é incisiva, como na análise da reportagem da Veja que reduziu o artista à sua doença. Por outro lado, o filme enfrenta limitações: algumas sequências prolongadas sobre sua decadência física repetem o erro da mídia que o documentário critica. Problemas técnicos — imagens de arquivo sem restauração e entrevistas com iluminação desigual — comprometem a experiência visual, e a estrutura irregular torna a segunda metade repetitiva, com depoimentos que “andam em círculos” antes de recuperar o ritmo no ato final.
“Cazuza: Boas Novas” não é um documentário perfeito, mas é um tributo vibrante à coragem de um artista que transformou dor em verbo e melodia. Umas poucas falhas técnicas não chegam a comprometer o resultado, o filme cumpre seu papel ao revelar facetas inéditas de Cazuza através de um arquivo precioso e depoimentos que ecoam amor e rebeldia. É essencial para fãs do cantor, estudiosos da música brasileira e quem busca entender como a arte floresce mesmo nas sombras. A obra estreia nos cinemas em 17 de julho de 2025, antes de chegar ao Canal Curta!, em 2026. Como resume o próprio filme: “Cazuza ainda é incômodo, ainda é necessário. E aqui, ele é visto de perto”.
Durante o período retratado, seus álbuns ganham significado especial: “Só Se For a Dois” (1987), com “Faz Parte do Meu Show” e “Codinome Beija-Flor”, explora relações pessoais e o processo criativo pós-diagnóstico; “Ideologia” (1988), com canções como “Brasil”, reflete seu amadurecimento artístico e resposta política; já “Burguesia” (1989), gravado com uma UTI móvel, torna-se seu testamento musical através de faixas como “Quando Eu Estiver Cantando”.
Mais do que um registro histórico, Cazuza: Boas Novas funciona como uma ponte entre gerações. Para nós que vivemos sua explosão e ainda sentimos sua ausência, é um mergulho repleto de ressonância e detalhes inéditos que reacendem a chama da admiração. Para quem veio depois, é uma porta de entrada essencial para começar a compreender sua dimensão: a força bruta de sua arte diante da morte, a coragem política que desafiava tabus com um cuspe e um verso, e o legado de alguém que transformou dor em verbo e melodia atemporais. O documentário prova, com imagens raras e emoção sem pieguice, por que Cazuza não é apenas um nome do passado, mas um eco necessário e incômodo que continua a falar – alto e claro – ao Brasil de hoje e de amanhã.
Adriana Maraviglia
@revistaeletricidade